Mar em fúria

Impiedosas palavras
com tradução da infelicidade
do amargo sabor do veneno que escorre pela boca de tantos
que nos faz perecer a sua raiva e aos seus males.

Nessa perceptível troca de sabores e odores
vindo diretamente de um poço, desigual
sem exploradores capazes
sem conhecimento algum
fundo do poço,
escuro e frio.

São pedregulhos, e o ar está fédido
é tudo aquilo do qual correra, do que se escondera
chegou ávido, rápido demais.

Procuraste, e encontraste
a raiva, a inveja que andam juntas,
e tudo de mais podre que se passa em um coração vazio
como a corrente sanguínea que irriga os pulmões
para que os encha e respire toda a vontade alheia,
com todo fervor
do qual almeja ter, ser.

Saída

Procuro saída
encontro pedras
procuro caminhos
encontro confusão
procuro sonhos
e encontro o vazio
procuro fugir
encontro você.

Menino, bicho

É bicho do mato
é menino, é criança
é moço é adulto
interior e exterior
mesma face
mesma moeda
mesmo feitio.

E corre,
e anda,
com pés calejados do gosto
sem dor, sem rachaduras,
é natureza.
O barro ajuda
ameniza,
ferida.
Cura,
ciatrizes.
Amolece,
coração.
Modifica,
alma,
natureza.

Angústia

Cante
com toda inquietação que há em seu ser
com todo o orgulho que te habita
abrace-o como se fosse seu amado
segure-o como se fosse cabelo em água

Grite
o elouquecedor som que vem de dentro
que deseja sair, evadir
o que o aprisiona ja se tornou frio demais
pois as celas fédidas, apertadas e escuras já gritam
gritam pela liberdade
gritam pelo socorro
gritam pelo calor
gritam pelo sossego.

Partida

É como se alguém chegasse, batesse na porta e saisse correndo
há um vazio, ficou uma brecha
foi um vulto ou a porta ficou entreaberta?
Ou foi o vento que passou e assobiou?

De dentro pensei ter visto você
não me enganei ao ver sua silhueta
ah, que loucura que é essa minha cabeça
vivendo de alucinação
e sem ter qualquer explicação.

Chegou, e depois partiu
eu não vi
mas sei que estava ali.
Dá para sentir
o perfume é inconfundível
pois é o mesmo cheiro do outono,
mas já estamos no inverno.

Vendaval

Não é toda noite que você precisa,
mas sente.
Não é todo momento que você lembra.
mas está presente.

Como se fosse um pingo da chuva.
que te molha e evapora.
Do mesmo jeito que molhava sua roupa,
nas tardes chuvosas do outono
quando você queria bincar lá fora,
no jardim.

É como se passasse uma ventania
levando tudo, evaporando-a
pensamentos e sentimentos.

Ar da liberdade, do sorriso
do risco, do querer
do desvendar, do ficar.

Vontade

Eu queria ser um pouco mais igual todo mundo
queria ser um pouco menos e um pouco mais também,
no mais ambições determinadas
no menos dores profundas
no menos sentimentalismo doentio.

Queria viver sem monstros interiores, que inquietude!
sem o martírio do pensamento
da insensibilidade de ser.

Queria acreditar em todas as verdades falsas
na sinceridade de todos amigos
na pureza de todos aplausos e de todas as pedradas.

Queria ser amada como toda gente
e como todos, e variar no amor
despreocupada.

Eu queria ter a alma simples de coisas pesadas
tão simples como esta tarde da qual escrevo
com sorrisos falsos de pessoas que se dizem amigas
e é possível que certamente,
eu acreditasse.

Canto de glória

Qualquer que seja o teu destino, seu rumo;
quaisquer que sejam os de nossas vidas
por mais desencontros;
por mais que não queiras
e que eu não queira;
por mais que a sorte nos afaste;
por mais que as multidões e os quilômetros
se interponham e intervenham entre nós dois;
e eu queira te esquecer,
tu hás de ser sempre, eternamente,
minha amada.
Sofrendo, cantando e sonhando
eu te diferenciei de todas, a mais bela
talvez não como tu és, mas como eu te inventei,
no envolto de minha secular emoção,
futuro adentro, além de mim!